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"Uma breve consideração sobre o atirador policial de precisão"
Autor: Luiz Carlos Queiros Mariz
Agente de Polícia Federal
Chefe do Setor de Tiro de Precisão do COT/DPF
Os métodos e ferramentas disponíveis para a prática criminosa têm evoluído com impressionante rapidez desde o início do século XX. Mudanças comportamentais sociais também fizeram com que o uso da violência por parte dos criminosos, assim como o potencial ofensivo de suas ações para a sociedade, tenha aumentado. Problemas como o terrorismo e a tentativa de intimidação do Estado não fazem mais parte de uma exceção, e sim do dia-a-dia das instituições de Segurança Pública brasileiras. A disponibilidade de compra de armamentos de grosso calibre e alta capacidade de fogo no mercado paralelo, o acesso fácil e rápido a informações e comunicações e o incremento do poder aquisitivo dos criminosos (em razão da ampliação de seus negócios ilícitos, cada vez mais diversificados e vultosos) tem gerado dificuldades aos setores Estatais responsáveis pela prevenção e repressão da atividade criminosa. A cada dia são necessários novos e maiores investimentos do Estado na formação e treinamento dos seus agentes policiais, que se tornam cada vez mais especializados, utilizando equipamentos e conhecimentos específicos no combate ao crime e suas, hoje, inúmeras modalidades, dentre as quais estão as de altíssimo potencial ofensivo direto para a sociedade, que oferecem imenso risco de morte àqueles que se dedicam a combatê-las e também para aqueles que por infelicidade forem suas vítimas.
Entre as modalidades criminosas de alto poder ofensivo estão a extorsão mediante seqüestro, os assaltos a bancos, os atentados contra autoridades públicas (vividos recentemente pelo Estado de São Paulo), o roubo de cargas, os seqüestros de aeronaves civis para diversos fins (pouco comuns no Brasil, com histórico de três ocorrências até do dia de hoje), o tráfico internacional e interestadual de drogas, armas e pessoas dentre outras. Em praticamente todas estas modalidades há a observância do aumento da violência utilizada pelos criminosos, como uso de armamento militar de grosso calibre e alta capacidade de fogo, explosivos de alto poder de destruição e técnicas de guerrilha que praticamente impossibilitam a repressão por parte da polícia com a utilização de agentes com treinamento, equipamento e armamentos comuns. Os policiais que combatem estas modalidades criminosas tem hoje que utilizar técnicas, equipamentos e armas especiais que possibilitem a repressão dos delitos com maior eficiência e segurança para si e para a sociedade.
Dentre a gama de especialistas utilizados pelas polícias no combate ao crime, talvez os atiradores de precisão sejam os menos conhecidos, embora seu trabalho seja considerado de vital importância na preservação da vida de todos os indivíduos envolvidos neste tipo de atividade, sejam eles policiais, criminosos e até mesmo vítimas. São poucas as pessoas fora do meio policial ou militar especializados que conhecem as responsabilidades do atirador policial de precisão, seu processo de seleção e treinamento, seus equipamentos de trabalho, as inúmeras vantagens de sua utilização e as penosas conseqüências de seus erros. Mesmo no meio especializado, pouquíssima informação no idioma português está disponível, dificultando o esclarecimento dos conhecimentos básicos que devem ser dominados pelos profissionais que trabalham com tiro de precisão ou que o desejam fazer.
Esta dificuldade tem gerado problemas para unidades policiais especiais no sentido de conseguir investimentos que possibilitem a utilização de atiradores de precisão em nível profissional, pois a justificativa para o investimento solicitado não obedece a critérios técnicos que, para os comandantes e ordenadores de despesas públicas, justifiquem a aplicação de tais vultos.
Da mesma maneira, a falta de acesso à informação pertinente faz com que os profissionais de polícia dedicados ao tiro de precisão ou as unidades policiais especiais recorram a pessoas que tem no tiro esportivo sua escolha de lazer, geralmente atiradores esportivos de armas longas, o que faz com que se disseminem conhecimentos pouco práticos e incorretos para a atividade profissional de atirador de precisão. Não que exista preconceito, deste estudo, com aqueles que praticam a atividade esportiva ou de caça utilizando armamentos de precisão, porém estas atividades pouco têm a ver com a realidade do profissional de polícia e são enormes os prejuízos de tempo e dinheiro na formação do atirador profissional de precisão se a opção escolhida for se orientar pelos esportistas em questão.
A missão do atirador policial de precisão
É comum que a que uma pessoa pouco informada sobre o tema veja no atirador policial de precisão um indivíduo que tem como missão, apenas, abater alvos humanos em situações de crises com reféns. Porém, esta é apenas uma das missões executada na minoria das ocorrências policiais.
O atirador policial de precisão tem muitas missões e, algumas destas, serão abordadas, assim como suas peculiaridades no sentido de esclarecer a razão de sua existência e o porquê do rigor de sua seleção e treinamento, assim como da utilização de equipamentos específicos.
Primeiramente, é preciso entender que o termo “atirador policial de precisão” define uma função específica de um profissional integrante de um grupo que tem uma missão específica e age dentro de um contexto já definido por uma situação crítica que exige resposta especial por parte da polícia, a partir de agora denominado Grupo Tático. Portanto, qualquer pessoa que porte armamento de precisão fora do contexto de utilização de um Grupo Tático policial não pode ser chamada de atirador de precisão. O atirador policial de precisão é parte indissociável de um Grupo Tático, e age em conjunto com os demais profissionais integrantes deste grupo. As armas, técnicas e equipamentos especiais por ele utilizados, rigorosamente, dentro das normas e do contexto que regem os procedimentos adotados pelo grupo são permitidos pelo ordenamento jurídico vigente, de forma a potencializar sua eficiência reduzindo o grau de risco de morte de todos os indivíduos envolvidos em eventos criminosos de alto poder ofensivo, sejam eles policiais, criminosos ou demais integrantes da sociedade presentes ou próximos a estas situações de alto risco. Não há atirador policial de precisão sem Grupo Tático. O atirador policial de precisão deve obedecer, rigidamente, a uma cadeia de comando estabelecida e raramente pode disparar sem que receba ordem explícita para tal.
O atirador policial de precisão age, na maioria das vezes, como fonte de inteligência para os demais integrantes de seu Grupo Tático, gerando informações em tempo real do que acontece no interior de cenários de crises ou teatro de operações, orientando seus comandantes quanto ao planejamento de ações táticas, direcionando negociações, estabelecendo rotas de aproximação e evacuação de eventos críticos. Também é sua responsabilidade evitar que policiais ou transeuntes sejam feridos por criminosos quando do desencadeamento de uma operação policial de alto risco, assim como proteger autoridades estrangeiras ou nacionais da ação de criminosos ou terroristas franco-atiradores (no caso dos atiradores da Polícia Federal). Pode ser utilizado para fazer levantamentos de informações ou reconhecimentos de locais e edificações utilizados por criminosos ou terroristas, utilizando-se de técnicas e equipamentos especiais. É de suas missões neutralizar imediatamente qualquer ameaça à vida de vítimas de criminosos em eventos de crise ou durante operações de alto risco. Por ser um especialista em armas e munições, cabe ao atirador policial de precisão avaliar e testar novos equipamentos, armamentos e munições disponíveis para a compra institucional.
Como é possível compreender, são muitas as responsabilidades do atirador policial de precisão e faz-se necessária uma rápida diferenciação de suas atribuições em relação às atribuições dos atiradores militares de precisão, uma vez que diferentes missões necessitam de diferentes equipamentos, procedimentos e técnicas e conforme será visto mais adiante, nem sempre os requisitos de seleção, equipagem e treinamento podem ser os mesmos, sob pena de comprometimento legal da utilização destes recursos especiais.
Atiradores Militares de Precisão
Considerando serem integrantes das Forças Armadas de um país o Exército, a Marinha e a Aeronáutica, os atiradores militares de precisão tem como missão abater alvos pré-determinados ou de oportunidade, geralmente altos oficiais de exércitos inimigos, ou militares que portam armas que ofereçam riscos ao avanço de sua tropa (bazucas, mísseis portáteis ou minas, por exemplo). Podem ser utilizados também para destruir recursos materiais importantes em tempos de guerra, como estações portáteis de rádio e veículos de suprimentos. Muitas vezes são utilizados para deter o avanço de tropas inimigas, abatendo indiscriminadamente qualquer combatente inimigo que estiver sob sua mira, dando preferência aos hierarquicamente mais graduados, implantando o terror na tropa adversária, ou seja, tendo como alvos prioritários os uniformes inimigos.
São normalmente empregados em tempos bélicos e obedecem apenas a leis e tratados internacionais de guerra, e tem autorização para decidir quais alvos escolher e quando atuar. Como geralmente atuam dentro do território inimigo, devem ter grande autonomia de suprimentos, pois podem ficar dias sem qualquer oportunidade de receber suprimentos. Trabalham em duplas e isto facilita sua progressão e evasão, indetectáveis pela tropa inimiga.
Como necessitam evacuar rapidamente o posto tiro após o cumprimento da missão, evitar a artilharia e tropas inimigas em seu encalço, atiram de grandes distâncias para aumentar sua chance de fuga e para isso usam munições e aparelhos óticos de pontaria que permitem disparar com precisão a distâncias maiores, e tem como cenário preferido de atuação áreas rurais, pois aumentam a capacidade de camuflagem e facilitam a retração e extração. Neste caso, o zero de suas armas (coincidência entre o ponto de visada e o ponto de impacto) é regulado a partir de trezentos metros.
Pela natureza da missão e distâncias de seus alvos, não necessitam de disparos de incapacitação instantânea (conceito a ser expandido mais adiante). Em grande parte de suas missões, o ponto de impacto do projétil no alvo não é fator restritivo, desde que o alvo ou recurso a ser atingido seja neutralizado.
Por exercerem atividades em território hostil, sem apoio amigo de suprimentos e expostos a intempéries diversas, necessitam de equipamentos que suportem os castigos impostos pelo clima e pelo uso em condições de rusticidade, que sejam simples de operar e de fácil manutenção.
Apesar de atuarem a grandes distâncias, os atiradores militares não tem no tempo de exposição dos seus alvos um fator crítico, atiram muitas vezes no momento de sua escolha, podendo coordenar os fundamentos do tiro de precisão, uma vez que estarão, até o momento do tiro, despercebidos pelo inimigo.
Atiradores Policiais de Precisão
São policiais os integrantes de forças regulares de Segurança Pública, sejam elas Militares, Civis ou Federais. Estes profissionais são utilizados toda vez que um Grupo Tático é chamado para resolver situações de alto risco. Suas missões envolvem o levantamento de informações, transmissão de inteligência em tempo real em situações de crise com reféns e a neutralização de ameaças iminentes à vida de quaisquer pessoas envolvidas em seu cenário de atuação, entre outras. É parte integrante do sistema de resposta a crises ou de uma unidade tática e trabalha em conjunto com os demais componentes do grupo a que pertence. Obedece a uma cadeia de comando hierárquica e sua atuação está limitada ao ordenamento jurídico vigente, pois deverá justificar suas ações a autoridades judiciárias. Precisa da identificação positiva de seus alvos e não está autorizado a abater alvos de oportunidade. Na grande maioria dos casos não tem autonomia para atirar sem autorização prévia de seus superiores.
Como trabalha na maior parte do tempo em áreas urbanas (mas pode ter que atuar em áreas rurais quando necessário), e dentro de um contexto legal estabelecido, não precisa retrair-se com velocidade do posto de tiro e geralmente suas distâncias de atuação são bem curtas quando comparadas às distâncias enfrentadas pelos atiradores de precisão militares. Podem contar com apoio de suprimento com mais facilidade que os militares, apesar de também serem obrigados a ter grande autonomia de recursos, pois nem sempre será possível, a eles, enviar apoio.
Mesmo com distâncias mais curtas, tem no tempo de exposição de seus alvos um fator crítico, pois a oportunidade para o disparo certeiro será dada pelo oponente e geralmente não durará mais que um e meio segundo. O atirador policial de precisão necessita de disparos de incapacitação instantânea de seus oponentes e, portanto, o ponto de impacto de seus projéteis é fundamental. Deverá ser muito preciso, em um curto espaço de tempo disponível.
Devido a características de sua missão, seu equipamento deve ser de altíssima precisão e ter recursos que possibilitem sua utilização diuturna, e em condições de estresse e fadiga. São grandes as dificuldades enfrentadas pelo atirador policial de precisão quanto à estabilização de seu armamento, uma vez que as situações enfrentadas são de uma diversidade incalculável e talvez seja necessário permanecer por muito tempo em posições extremamente desconfortáveis ou ter que efetuar um disparo imediatamente após ter subido doze lances de escada em alta velocidade. O equipamento deve obrigatoriamente permitir ajustes finíssimos, a fim de possibilitar disparos precisos em posições de tiro variadas, fora do seu tempo correto de respiração e com a freqüência cardíaca elevada.
Pode trabalhar em duplas (condição ideal) ou sozinho, dependendo da disponibilidade de pessoal ou da característica da missão. Em um cenário de crise com reféns serão sempre os primeiros de equipe de resposta a chegar e os últimos a sair.
A necessidade por precisão absoluta em condições muitas vezes adversas faz com que o armamento do atirador policial de precisão seja de utilização estritamente pessoal e é proibitivo que dois atiradores do mesmo grupo, mesmo usando equipamentos idênticos, compartilhem armas no revezamento de suas funções.
As munições utilizadas pelos atiradores policiais devem ser de alta qualidade e permitir elevados níveis de precisão a distâncias mais curtas (nem sempre munições precisas a longas distâncias são precisas a curtas distâncias e vice-versa), e o zero de suas armas geralmente é regulado a distâncias não superiores a cem metros.
Conforme visto rapidamente, apesar de ambos serem atiradores de precisão, policiais e militares tem missões completamente diferentes. Isso se traduz na vida prática em seleção e treinamento, conhecimento, equipamentos, armamentos, munições e procedimentos diferenciados, e serão tratados neste trabalho os aspectos relativos ao tiro de precisão policial, que muitas vezes tem pode se diferenciar absurdamente da doutrina e procedimentos militares, o que certamente não quer dizer que haja discordância com o excelente trabalho executado pelas Forças Armadas.
Ao longo deste trabalho, serão apresentados três elementos básicos que classificam e diferenciam os atiradores policiais de precisão dos demais policiais que compõem as equipes de um Grupo Tático: a) o homem, adequadamente selecionado e treinado; b) o sistema de armas de precisão; c) a munição de precisão.
Cabe ressaltar que qualquer um destes três elementos é fundamental para que a atividade do atirador policial de precisão seja desempenhada adequadamente. A ausência de um dos elementos impossibilita por completo a execução desta atividade especializada, e pode levar situações de alto risco a desfechos trágicos, manchando para sempre o nome de uma corporação, ou até mesmo de um país.
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Artigo extraído do trabalho de conclusão de curso do XIV Curso Especial de Polícia, monografia produzida em conjunto com o APF Douglas A. de Andrade.
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