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"Policiais mortos em confronto no Rio de Janeiro"
Autor: Eduardo Maia Betini*
Hoje, domingo, pela manhã, minha esposa chegou do seu plantão. Ela é policial civil. Comentei, com grande pesar, o ocorrido com o helicóptero da Polícia Militar do Rio de Janeiro e o desfecho trágico para os colegas policiais militares que o ocupavam. Ela, indignada, olhou para mim e comentou: - “Por que arriscam suas vidas dessa maneira, expondo-se talvez além do que lhes seria exigido? E o pior, as pessoas não gostam deles, a população que eles protegem os odeia, o Governo os trata com indiferença e não os reconhece. Por que sacrificam suas próprias vidas? Por quê, se muitos verão suas mortes como mero desdobramento da profissão e não como ato heróico, na missão de tentar salvar o pouco que sobrou do Estado em algumas regiões daquela capital.” Me lembrei do período em que passei no Rio de Janeiro durante o Curso de Operações Especiais Policiais (COEsP), do BOPE. Foram praticamente quatro meses e meio vivendo como um Policial Militar. Confesso que não foi fácil, e olha que eu não estava recebendo o salário que um soldado PM, como muitos dos meus colegas de curso eram, recebiam, de 818,54 reais. Fiquei um pouco perdido, pois aquela realidade que eu conhecia não saía da minha cabeça. Resolvi ligar para o Cabo Pedro, o 13 do meu curso, para ver como meus parceiros estavam, pois sabia que era sua folga.
–Alô...fala 34!
- E aí 13? Como estão as coisas por aí parceiro, muito triste o que aconteceu...
- Então 34, estamos trabalhando...estamos aqui no Jacaré...acabamos de fazer uma apreensão de maconha aqui...teve dois mortos...bandidos.
- Mas você não está na folga 13?
- Tô sim...mas trabalhei todos os dias da folga, pois o evento ocorreu quando meu plantão já tinha terminado. Convocaram todos ontem, hoje perguntaram quem era voluntário... fui voluntário.
Esse é o PM do Rio de Janeiro. Mas nesse PM nem a mídia, nem a sociedade estão interessados. Preferem se focar nos maus exemplos a “darem seus braços a torcer” pelos abnegados homens e mulheres que realizam com esmero a difícil arte de fazer polícia em nosso País.
Não vi comoção social em relação ao ocorrido, não vi ONG alguma prestando qualquer tipo de apoio às famílias daqueles heróis tombados em combate, nem sequer algum defensor dos Direitos Humanos preocupado com a crueldade a que aqueles policiais foram submetidos. Mas isso não importa, soldados são descartáveis, quando eles morrem “não estavam fazendo mais do que sua obrigação”. O que está faltando para tratarmos a questão da segurança pública de maneira séria? Quando vamos deixar a hipocrisia de lado e tratar a violência de maneira sistemática, integrada e global? Onde estão os especialistas e “ólogos” em segurança pública agora? Aqueles que ensinam técnicas absurdas que deveriam ter sido utilizadas pela polícia após cada desfecho trágico? Mas agora não interessa para eles oferecer “gratuitamente” suas lições, porque não vale a pena, foram os policiais que morreram e isso é um risco perfeitamente aceitável para a sociedade. Policiais mortos não compram “cursos”, ao contrário do que ocorre quando exploram “erros” em ações policiais. Estes “erros” vendem cursos! Quem é policial sabe do que estou falando, principalmente os colegas da PM de São Paulo que recentemente sofreram “ataques” destes mesmos “especialistas”. Para aqueles que aparecem no “Fantástico” dizendo que os policiais deveriam ter utilizado esta ou aquela técnica da “SWAT” ou qualquer outra baboseira revestida de argumento de autoridade, fruto de estrangeirismo convencional, uma pergunta: qual a técnica que aqueles policiais deveriam ter usado para não morrerem carbonizados dentro de um helicóptero em chamas, cumprindo seu dever, com honra? Sugiro uma: permanecer como os senhores, sentados em uma cadeira confortável, atrás de uma mesa imponente, bradando asneiras a milhares de quilômetros de distância da realidade das ruas, dos confrontos!
Continuei questionando e lembrei-me que durante o COEsP, na etapa denominada de “Fase de Operações”, estávamos saindo para uma missão na zona oeste do RJ, onde patrulharíamos combatendo narcotraficantes. Embarcamos nas viaturas, entre elas o blindado, popularmente chamado de “Caveirão”, onde eu estava. Saímos do Batalhão eram quase 22 horas. No trajeto me lembro de uma cena. Quando paramos em um sinal, olhei para um senhor que andava na calçada, ainda na região de Laranjeiras e ele balançou a cabeça, em sinal de reprovação, espremendo seus lábios para o lado. Com certeza aquela visão o incomodou, aqueles “selvagens” vestidos todos de preto, com seus rostos camuflados e armas de guerra, dentro de viaturas precárias, com aspecto corroído e sinistro. Aquilo me incomodou também, o que ele quis dizer com aquele gesto? Estávamos indo em direção ao confronto para proteger aquele mesmo espécime que nos hostilizava gratuitamente. Continuamos nossa missão, fomos até o fim, incursionamos, combatemos (por mais que seja politicamente incorreto o termo, é exatamente o que fizemos naquela noite), ficamos vulneráveis, fomos “caçados”, mas ao final vencemos. Mais uma pequena batalha vitoriosa na guerra diária travada entre o bem e o mau no Rio de Janeiro. E hoje, passados anos daquele dia, lembrei daquele senhor, arrogante e preconceituoso, e pensei: de que lado ele estava? Tenho certeza que não era do lado do bem, como hoje tenho absoluta certeza que aqueles que criticam inopinadamente as ações das polícias, que nada fazem para possibilitar ao menos um “combate” em igualdade de condições trabalham em prol do mau, mesmo que não saibam estão trabalhando para o mau. Percebi o quão difícil e inglório é ser PM no RJ, pois durante um curto, mais intenso período de vida, tive a honra de viver entre eles, como um deles.
Para finalizar, uma pergunta. Você já sabe quanto ganha um soldado PM do Rio de Janeiro, agora você sabe quanto ganha um soldado do tráfico? Cerca do triplo! Você sabe que as armas do tráfico são mais modernas e que os traficantes não têm restrições e limites quanto ao quantitativo de munição empregada? Que eles conhecem o terreno onde os confrontos ocorrem e podem escolher o local do combate? Que os policiais não dispõem de Equipamentos de Proteção Individual nem Coletivo adequados? Que os traficantes não precisam se preocupar com as conseqüências dos seus atos e com inocentes feridos? Enfim, poderíamos escrever várias páginas de perguntas, mas o que nos interessa são as respostas. Infelizmente, hoje, não há resposta que seja suficiente para explicar a morte dos colegas.
Desejamos muita força aos familiares e paz aos heróis da PMERJ que tombaram em combate no seu descanso eterno.
Requiem in pace.
*Eduardo Maia Betini é agente de polícia federal, “caveira” 149 do COEsP 2006/I da PMERJ, lotado no Comando de Operações Táticas da Polícia Federal, co-autor, juntamente com o APF Fabiano Tomazi, do livro “Charlie Oscar Tango – Por Dentro do Grupo de Operações Especiais da Polícia Federal.” Contato: eduardobetini@charlieoscartango.com.br Site: www.charlieoscartango.com.br.
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